sexta-feira, 15 de março de 2013

Histórias de cortiço – Parte 04

       Hora da partida, com o tempo e com as leves adaptações que sofri aos locais, tenho que rodar, comer lanches nas praças dos metrôs, nas padarias, ou mesmo em bares que
vendem pratos feitos, apenas me alimentar antes de partir, com o tempo minha mãe descobriu que ainda tinha um irmão morando em São Paulo, não nego a felicidade de sair daquele pequeno inferno, hora de se mover e ir para a zona leste.
      Meu tio e minha família local é toda composta por adventistas, e me cedem um lar temporário, agora tenho comida, uma cama e chuveiro quente, além de um vaso que funcione. Eu durmo no quarto do filho da minha prima, e ele me odeia e sempre que entro ali, ele sai, e no fim eu gosto disso, estou só comigo mesmo numa casa que moram quatro pessoas. Nada de tv fora de horário, nem pensar em tocá-la no sábado, e no fim eu respeito isso, nunca tentaram me mandar para a igreja que eles acreditam, e me convidaram para almoços entre amigos onde sempre fui sempre bem tratado, exceto pelo filho da minha prima que me odeia, mas eu gostava disso.
      Passo o dia todo fora de casa, estudando pela manhã, tarde e noite, entrando em casa apenas para dormir, atravessando sozinho a madrugada pela entrada da favela até chegar na estação de metrô, pegando atalhos entre ruas aparentemente abandonadas. O problema mesmo era os fins de semana, onde eu me trancava dentro dos meus desenhos e minha leitura de V de Vingança, entre outras formas de escapar da realidade, numa das vezes consegui ler V de Vingança quatro vezes seguidas no mesmo dia, chegou num ponto que já conhecia todas suas falas e quadros, no fim procurava por erros de ortografia e coloração das páginas. Num desses acessos de tédio descobri uma estação de rádio que sempre tocava heavy metal das 22h até as 23h, e sempre a sintonizava, e tentava escapar de mim mesmo.
      Dias após dias almoçando esfirras no Habib's e as vezes pastéis de barracas que se encontravam nas avenidas da zona sul, e muitas vezes o meu almoço não passava de um suco de laranja de um real cada copo, um hambúrguer com mostarda era um luxo em dias prósperos com incríveis saudades da minha terra.
      Porém eu estava me estabelecendo e quase me ajeitando, me acostumando ao lugar, e cada vez mais apaixonado por sua loucura caótica, enquanto eu me trancava dentro de mim e finalmente aproveitava o lugar.

E assim comecei a amar São Paulo, minha doce amada cidade.

- Jadson Damien


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